Viagem Alucinante (2009)
Enter The Void
Drama ‧ Fantasia ‧ 2h 41min ‧ 2009 ‧ Gaspar Noé
UM VAZIO PSICODÉLICO
Experimental. Esse é o termo que recorre ao longo de toda a carreira do diretor argentino Gaspar Noé, desde sempre ocupado em representar a existência humana de forma crua e alucinadora, sem nunca pôr de lado seu estro artístico. Todavia, como qualquer experimento digno dessa definição, as obras da sétima arte que se entregam ao jogo da inovação estão fadadas a viver em oscilação entre o bom resultado e o fracasso: "Enter the Void" (2009) encontra-se, certamente, do lado da derrota.
A indecência e a transgressão das imagens, transmitidas pelos vetores da droga e do sexo, esvaziam-se de qualquer sentido diante da vacuidade da história tratada. Os fatos ocorrem em uma Tokyo digitalizada, e veem como protagonista o traficante americano Oscar, que morre em um tiroteio, mas que continua presenciando os eventos que acontecem com sua irmã Linda e com seu amigo Alex através de uma experiência extracorpórea.
O filme, portanto, se apresenta como um eterno "trip", em que o olhar do espectador funde-se àquele do espírito do protagonista, numa fraca tentativa de identificação entre público e personagens.
Em "Enter the Void" (2009), melodrama destorcido por drogas e orgias, a violência despe-se de qualquer significado para tornar-se mera solução de continuidade entre os episódios tratados.
O narcisismo do diretor se dá por três técnicas utilizadas: o uso maciço da câmera subjetiva durante a primeira meia hora; a câmera usada na mão ao longo dos flashback; a presença de um plongée que eleva a perspectiva às alturas para juntar uma cena com a sucessiva. Gaspar Noé aproveita de sua bagagem técnica para criar um espetáculo visual que flutua entre o sonho alucinógeno e o realismo grotesco, negligenciando, todavia, aquele que deveria ser o foco de toda obra de arte: a poética.
Se, por um lado, a edição modela-se perfeitamente aos virtuosismos da filmadora, pelo outro, os personagens são natimortos, inúteis em seus gestos e pensamentos. Enquanto sons angustiantes e luzes estroboscópicas nos conduzem nesse conjunto de vidas atormentadas, o roteiro fornece uma leitura infantilizada do livro tibetano dos mortos, ridiculizando o conceito de reincarnação.
Eis o que acontece quando a superfície se sobrepõe ao conteúdo.
Certamente, inconformismo e criatividade não faltam à película. Porém, várias perguntas persistem: qual a essência de um filme como "Enter the Void" (2009)? E sobretudo, o que representa o void, o vazio, para Gaspar Noé? Que seja uma viagem só de ida para um inferno de efeitos digitais que fagocitam tanto a realidade quanto o universo cinematográfico? Ou trata-se de um limbo para o qual a alma anela na disperada tentativa de satisfazer seu desejo voyeurístico?
Não há respostas.
Portanto, o longametragem funciona como experiência extra-sensorial, mas o clímax sugestivo criado pelos efeitos especiais nada pode fazer em relação as inúmeras lacunas à nível de escritura.
Os arquétipos se misturam com um amontoado confuso de mensagens místicas sobre o a vida após a morte, gerando um coquetel amargo em que o complexo de Édipo desabrocha no incesto familiar. Nesse excesso excessivo, não se entende a posição do diretor para com as drogas: nos proporciam redenção ou nos levam à danação?
No fim das contas, "Enter the Void" (2009) se revela por aquilo que é: um vazio psicodélico.
Dino Lucas Galeazzi