Videodrome

17/11/2016

Videodrome

Horror ‧ Mistério ‧ Sci-fi ‧ 1h 27m ‧ 1983 ‧ David Cronenberg


A NOVA CARNE


Não muito distante da linha insana de filmes do diretor David Cronenberg, "Videodrome" (1983) talvez seja a sua obra mais perturbadora. É contada a estória de Max Renn (James Woods), proprietário de um pequeno canal de televisão ligado à pornografia. Tudo começa a mudar quando um colega de trabalho o avisa de ter interceptado um sinal satélite pirata, o Videodrome, com cenas de tortura em meio a sexo e homicídios. Aparentemente, tratam-se de imagens reais. Interessado em alavancar seus projetos com a utilização de tal idéia, Max busca ajuda da condutora radiofônica Nikki Brand (Deborah Harry) para descobrir mais a respeito do Videodrome.

Seguindo em suas pesquisas, Max descobre que os vídeos perversos são oriundos de Pittsbugh e que o doutor Brian O'Blivion está por trás de tudo.

A vicissitude de uma simples trama de investigação assume as tonalidades de uma obra prima de ficção científica quando percebemos que, ao assistir à fita, o telespectador sofre alucinações tão realísticas que podem levá-lo a um fim trágico. Cronenberg eleva-se do gênero bodyhorror inserindo tanto o protagonista quanto o público num labirinto kafkiano, pois se torna impossível entender onde a realidade deixa de existir em meio à loucura.

Somos conduzidos ao interno da Igreja Catódica, onde aos pobres é dado o que há de fundamental para viver: alimentos e programas televisivos, como na mais cruel das distopias. É apresentada a filha do professor O'Blivion, Bianca (Sonja Smits), que informa Max da morte de seu pai, de como este imortalizou-se em fitas de videocassetes, e dos efeitos colaterais que ocorrem uma vez que se entra em contato com o sinal Videodrome.

A esse ponto da história, a introspecção psicológica do drama surreal se sobrepõe a lógica do noir clássico, gerando uma sucessão de fatos aparentemente sem nexo, mas que seguem o fio condutor do pensamento cronenberguiano: uma vez que permitimos aos conteúdos midiáticos de guiarem nossas existências, de forma inconsciente deixamos que mente e corpo sejam manipulados, deformados como as realidades que nos são impostas através das telas.

Nikki é capturada pelos assassinos do Videodrome. Uma ferida parecida a um orifício vaginal abre-se no abdome de Max. Alguns dos personagens secundários somem, outros entram em cena como fantasmas evanescentes. Nunca houve um sinal pirata, tudo fazia parte de uma conspiração organizada contra Max por uma sociedade militar, que visa monopolizar todas as redes televisivas. A fita nada mais é do que a expressão pública de um movimento com fins perversos.

Porém, nada do que acontece é uma certeza absoluta. Como qualquer um, Max é um dejeto da indústria cultural, um indivíduo socialmente produzido para viver em função do lixo que lhe é oferecido: a cratera pulsante em sua barriga preexistia sua formação física e psicológica.

A ideologia de Cronenberg não se distancia muito da filosofia orgânica de Michel Foucault, ou do esforço marxista de tratar os sistemas de valores como atenuante das relações de propriedade.

Antigamente, o mal esperava que aparecesse uma brecha na entidade humana para poder então penetrar e corroer tudo o que havia dentro dela. Hoje, a manipulação midiática encontra facilmente o caminho aberto.

Max terá a fita inserida em seu orifício estomacal pelo inimigo Barry Covex, criador do sinal Videodrome e dono da Spectacular Optical. O herói da película torna-se o assassino da agência, chegando a cometer vários homicídios. Uma das vítimas é Bianca O'Blivion que, prevendo os planos de Convex, consegue danificar a fita de Max, transmitindo-lhe uma nova ordem. O lema agora é o seguinte: morte à Videodrome, gloria e vida à Nova Carne.

Outra vez, Cronenberg nos engana. Todos os sonhos de redenção conduzem ao mesmo pesadelo social. O cinema feito pelo diretor canadense é pura arte: através de mentiras, nos é contada a verdade.

Nikki aparece em uma tela de tevê. Com sua voz de anjo, diz que para destruir definitivamente Videodrome, Max deverá abandonar a velha carne. O herói obedece, suicidando-se.

                                                                                                                                     Dino Lucas Galeazzi

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