Reino Animal (2010)

17/11/2016

Animal Kingdom

Drama ‧ 1h 52m ‧ 2010 ‧ David Michôd

ATUALIZANDO DARWIN


Melbourne.

Após a morte da mãe por causa de uma overdose de heroína, o jovem Joshua muda-se para a casa da avó materna Janine Cody, chamada carinhosamente de "Smurf", conhecendo finalmente seus tios: Andrew "Pope", assaltante caçado pela polícia; Craig, traficante de drogas; Darren, delinqüente que segue os passos de seus irmãos.

Eis a explicação do título desta obra prima. De fato, o que encontramos nesse microcosmo delituoso são os cruéis mecanismos que regem o reino animal. Estamos fora dos ninhos das aves de rapina, distantes das desalmadas savanas australianas. Basta um simples paralelismo com a estrutura de uma colméia para melhor descrever as relações dessa família disfuncional: temos uma rainha, comodamente alocada em seu alvéolo, que gere o vôo de seus zangões, às vezes outorgando poderes e benefícios, outrora condenando quem a decepciona. É nessa crua equação zoológica que se insere o protagonista, adolescente do olhar confuso relegado ao papel de uma abelha rejeitada.

Todavia, como qualquer sistema animal hodierno, também aquele criminoso dos Cody será posto em crise pela lei do homem, a começar pelo anel mais fraco do grupo, o alucinado Pope, que verá na morte de seu amigo, Barry "Baz" Brown, um sinal de alerta. Logo, como um enxame enfurecido, os irmãos se moverão em busca de uma vingança, catalisando uma série de homicídios que culminarão em um trágico desfecho.

A resposta da Austrália ao americano "Goodfellas" (1990). O Michael Mann do hemisfério sul. O herdeiro legítimo do "The Godfather" (1972) de Coppola. Esses são só alguns dos elogios que o estreante David Michôd recebeu pelo seu incrível trabalho. Trata-se de um roteiro que permaneceu em gestação por mais nove anos, período durante o qual o diretor deve ter aproveitado para rever os primeiros filmes de Scorsese e reler as tragédias de Shakespeare. Quando postos para fora das ruas do crime, seus personagens vagam em "castelos populares", obcecados por ambições e dramas familiares. "Animal Kingdom" (2010) vai além de um mero tratado de etologia sobre o mundo do crime australiano.

Se por um lado temos o olhar quase científico de um repórter investigativo, que reinterpreta os fatos de crônica ocorridos com a família Pettingill, pelo outro encontramos a sensibilidade de um artista capaz de criar subtramas tensivas, que exalam um leve cheiro de queimado, imperceptível ao público até o momento da explosão de violência, nunca excessiva, sempre pacata.

A busca da correspondência entre os membros da família Cody e o reino animal, além de reduzir a força da obra, nos distrai do verdadeiro foco da película, isto é, a banalidade do mal. O que o diretor nos quis mostrar, é como os atos de atrocidade se tornam triviais para o homem que se vê constantemente posto em perigo. É o caso de Joshua, submetido à pior forma de estresse, forçado a vivenciar a perda do seu guia e do seu amor, obrigado a temer o movimento da própria sombra: é o preço que o zangão paga uma vez que se torna um parasita aos olhos da abelha rainha.

Antes de Smurf decidir matá-lo para proteger a vida de seus filhos queridos, Joshua encontra um detetive que o compara a um inseto prestes a sucumbir, cuja única possibilidade de sobrevivência reside na fuga, em ceder aos conselhos da polícia. O que essa afirmação não leva em conta, é a capacidade de uma espécie de se adaptar a qualquer situação, até mesmo à mais violenta.

O mal encurrala o protagonista. Preme contra seu exoesqueleto até rachá-lo. Penetra em sua alma, corroendo tudo que encontra. Mas basta sobreviver a esse processo irreversível para que haja a transformação.

É assim que Joshua se evolve em um assassino.

É assim que David Michôd atualiza Darwin.                                                       

                                                                              Dino Lucas Galeazzi

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