ACADEMIA, CARNIVOR E FIBRAS MUSCULARES

17/11/2016

Fui à academia. Disse bem assim, revoltado: chega. Chega de estudar, chega de leituras, chega de treinar somente o cérebro. Vamos esquecer por um instante dos neurônios para malhar os músculos.

Não foi difícil me inscrever em uma academia que estivesse próxima de minha casa. Tanto em Salvador como no resto do mundo há uma verdadeira pandemia de academias. Só perdem pelos fast-foods que nos fazem engordar, pelas farmácias que nos vendem milagres dietéticos e pelas lojas de suplementos que nos transformam em body builders. Coma, queima, repita. Esse é o lema do novo milênio.

Chego lá para meu primeiro dia de treino, pronto para qualquer tipo de desafio.

Logo no ingresso, há um desafio ao qual não estava preparado. 
Tem um cartaz que chama a minha atenção. Nele, um homem-monstro me observa com repugnância, deixando-me assustado como uma criança ao primeiro dia de aula, o que é um absurdo se considerarmos suas feições: um indivíduo calvo, enorme, como um bebê gigante que cresceu tudo de uma vez só, com os músculos em erupção debaixo da pele oleada, da cor da terra. Essa criatura fora posta em cima de um ringue, o ringue da vida, e atrás dele, no ar, podem-se ler as seguintes palavras: trabalhe o corpo, libere o espírito.
Não escreviam frases parecidas nos campos de concentração nazistas? Que seja.

Dentro da estrutura, posso assegurar que não há espaço para preocupações e anseios. Na verdade, não há espaço para qualquer tipo de pensamento. A musica vomitada pelos alto-falantes, rigorosamente pop, eletrônica e sem sentido, ecoa dentro dos crânios, tomando conta de tudo. 
Passo em frente a uma fileira de pessoas focadas nas imagens de um videoclip, enquanto marcham por quilômetros nas esteiras. 
Por algum instante, observo o que acredito ser uma coreografia militar feita por um exercito de mulheres, todas socadas num quarto, imitando os movimentos da leader.
Finalmente, o repique das maquinas para treino me chama para o meu lugar.
Com medo de me esbarrar num exemplar real de bebê gigante, decido ficar sozinho, em um ângulo. Posiciono-me diante de um maquinário do qual consigo entender o mecanismo e começo a malhar aquelas espinhas que tenho no lugar dos tríceps.

E lá estou eu, de boa, queimando calorias.
E lá estou eu, de boa, expulsando sedentarismo pelos poros.

De boa, na paz, até perceber de não estar sozinho. 
De boa, na paz, até ser desafiado por alguém.
Certamente, esse alguém me viu e não gostou da minha presença em seu habitat. Que tal incomodar o novato? Só pode ser assim. Convenhamos, essa galera das academias é obcecada pela competição. Todos sabem disso.

Olho de soslaio para meu inimigo, chegando a ver a sombra de seus gestos.
Que absurdo, está me imitando! 
Acompanha meus movimentos desajeitados só para me pirraçar.
Isso é bullying. Isso é anticonstitucional.

Como assim? Uma pessoa intelectual não tem direito a ser vaidosa por um dia?
Isso é inaceitável. Isso é antiético. 
Desisto.
Me viro para encarar meu adversário e me esbarro no meu reflexo, irritado, confuso e suado. Quase irreconhecível.
Estava competindo comigo mesmo.
Havia começado uma luta contra quem estava do outro lado do espelho, o espelho da vida.
Me dei conta de que tentei ser diferente de quem realmente sou.
Não é por esse motivo que as pessoas vão à academia?

DINO LUCAS CASTRO GALEAZZI

                                                                                                                                                                                                                                                                   03/10/2015

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