Senhores do Crime (2007)

18/11/2016

Eastern Promises

  Mistério ‧ Filme policial ‧ 1h 41m ‧ 2007 ‧ David Cronenberg  


TATUAGEM


      Um barbeiro conversa amigavelmente com seu cliente. Em seguida, um terceiro personagem entra no salão e presencia o diálogo entre os dois. De repente, o corte de cabelo se transforma em um brutal homicídio e a vítima esguicha sangue pela garganta.

Eis outro filme chocante de David Cronenberg, que não doura a pílula ao introduzir o público no mundo do crime russo.

A cidade é uma Londres chuvosa. Seus triunfos arquitetônicos de aço e vidro se erguem contra um céu cinzento, enquanto as paredes das construções mais antigas absorvem a umidade malsã das ruas.

Serão alternadas duas histórias.

Em uma, a parteira Anna Khitrova recolhe o diário de uma prostituta russa de catorze anos que morreu após dar a luz a um bebê. Entre as páginas, é encontrado o bilhete de um restaurante chamado Trans-Siberian. Na esperança de contatar algum parente da vítima, Anna visita o local gerido por Semyon, um ancião simpático que logo se dispõe a ajudá-la.

Na outra, através do protagonista Nikolai Luzhin, carismático e imperturbável chofer da família de Semyon, descobrimos que nada é o que parece ser: o dono do restaurante é o chefe de uma organização criminal chamada Vory V Zakone, diretamente envolvida com a prostituição e o trafego de drogas.

Ao mergulhar nessa história de violência, Anna assina sua sentença de morte. Não fosse pelo amor que Nikolai sente por ela, não haveria salvação.

Quem conhece a filmografia de David Cronenberg, sabe de como seu estilo mudou drasticamente com a chegada do novo milênio. Lá onde um tempo havia as mutações da carne, hoje encontramos as transformações da mente: a explosão da violência biológica deixou espaço à implosão da bestialidade humana.

Todavia, isso não se traduz em uma regressão artística, mas em um amadurecimento poético. A decisão do diretor canadense de voltar-se a um cinema mais próximo ao padrão hollywoodiano, não se reduz à recusa dos paradigmas do body horror, pois suas temáticas extremas continuam as mesmas, só que tratadas por um viés mais sofisticado.

"Senhores do crime" (2008) apresenta algumas das características fundamentais do genro noir, como o mistério, a mulher em perigo e o crime, mas mescladas aos assuntos prediletos de Cronenberg, como a metamorfose do corpo e da mente.

Se em "Scanners, Sua Mente Pode Destruir" (1981) os cérebros dos mutantes podiam aniquilar o corpo dos inimigos com a força do pensamento, aqui as hierarquias mafiosas determinam quem vive e quem morre.

Assim como em "Marcas da Violência" (2004) havia a contaminação da raiva que despia as famílias americanas de suas máscaras de sanidade, aqui temos a corrupção pelo poder, capaz de fazer com que um homem cometa o pior dos crimes.

Nesse contexto, o filme de Cronenberg se põe como uma resposta aos gangster movies americanos, dispensando uma excessiva introspecção psicológica em favor de uma abordagem quase científica: repressão, sexo, humilhação, nudez e tradição são apresentados como vetores de um determinismo psico-biológico que circunscreve a existência dos criminosos russos.

A fotografia de Peter Suschitzky exalta o rito de passagem de Nikolai, focando no elemento principal da obra de David Cronenberg: o corpo. As tatuagens, como representação dos delitos cometidos, são impressas tanto no corpo quanto na psique do próprio mafioso siberiano.

Eloqüente a fala de um policial ao dizer que, nas prisões russas, a história de cada um está escrita na pele. Quem não tem tatuagem, não existe.

                                                                                                    Dino Lucas Galeazzi

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