A Chegada (2016)

30/11/2016

Arrival

Drama ‧ Mistério ‧ Sci-fi ‧ 1h 56m ‧ 2016 ‧ Denis Villeneuve

O Estóico Amor Por Uma Filha


Doze naves alienígenas, com o curioso formato de conchas, posicionam-se em lugares aleatórios do planeta, flutuando a poucos metros de distância do solo. Apesar da potência tecnológica dos invasores, estes não conseguem se comunicar com nós, humanos, o que nos leva a buscar respostas para dúvidas angustiantes: afinal, qual o motivo desta visita? Quais as intenções por trás deste contato?

Para tanto, o exército dos EUA busca a ajuda da lingüista Louise Banks e do físico Ian Donnelly, para que possam entender a complexa linguagem da raça alienígena, estabelecendo assim uma comunicação.

Antes de pôr-se a obra na continuação (para alguns, blasfema, para outros, impossível) do "Blade Runner, o Caçador de Androides" (1982) de Ridley Scott, o talentoso diretor canadense, Denis Villeneuve, dedica-se ao seu primeiro trabalho de ficção científica, e o resultado é de dúbia qualidade.

Para uma mais atenta análise da obra em questão, torna-se obrigatório tratar também das reviravoltas do filme. Portanto, por via das dúvidas, aconselho aos que ainda não assistiram "A Chegada" (2016), a abandonarem a leitura.

Baseado num conto do escritor Ted Chiang, a história gira em torno da protagonista Louise e da tragédia que marcou sua existência: a perda da filha. Tal fato reaparecerá na tela inúmeras vezes, em seqüencias extremamente trágicas, acompanhadas pelos violinos do Jóhann Jóhannsson, ou pela belíssima "On the Nature of Daylight" do Max Richter, já usada por Martin Scorsese em "Ilha do Medo" (2010).

Ao longo de toda a película, somos levados a crer que este acontecimento dramático seja o que move a protagonista, além de ser elemento fundamental para que seja disperso o clima de tensão que se gerou em torno da incomunicabilidade para com os invasores, mas, infelizmente, não é isso que acontece: em prol de um duvidoso twist ending (final a surpresa), perde-se a motivação que acreditávamos estar por trás das escolhas da nossa heroína e, em conseqüência, esvai-se o caráter da personagem que acompanhamos ao longo de quase duas horas.

A grande sacada do filme, se assim a podemos chamar, consiste no fato dos aparentes flashbacks serem, na verdade, flash-fowards de um evento que ainda não aconteceu. Louise não teve uma filha. Ainda. O que nos apareceu como lembrança é, simplesmente, uma previsão do futuro. Através do processo de absorção do idioma alienígena, modifica-se a forma de percepção do tempo, o que permitiu ao Villeneuve, por um lado, de brincar com o público e, pelo outro, de trazer à tona um roteiro repleto de furos.

A perfeição estética da fotografia, a sobriedade dos movimentos da câmera e a CGI (computação gráfica) pouco invasiva, não foram suficientes para encobrirem as falhas de um roteiro que pode, sim, emocionar na escuridão uterina da sala cinematográfica, mas que revela sua inconsistência ao se acenderem as luzes.

Ao chegarmos ao final do filme, o twist nos obriga a voltar atrás, a reler a obra no ato de encaixar as peças, para que o todo, no seu complexo, faça sentido.

O vacilo está presente desde as primeiras cenas. A seqüencia inicial nos mostra Louise acompanhando os momentos fundamentais da vida da filha: os jogos da infância; as discussões da adolescência; a descoberta do tumor incurável; a morte.

Pode parecer insensível, mas acredito seja uma pergunta lícita: ao saber com vários anos de antecedência que sua filha irá morrer de câncer, qual o motivo de se surpreender e chorar na hora de receber (de novo) a notícia dada pelo médico?

Vou me explicar melhor: uma vez aprendida a "linguagem universal", a qual me permite ter lembranças do futuro, qual o motivo de interrogar o médico a respeito do mal da minha filha? E, sobretudo, por que chorar por uma coisa que sabia-se há décadas que ia acontecer, e pela qual sofreu-se por anos? Não teria sido mais válido tentar prevenir o câncer do que sofrê-lo uma segunda vez como se fosse algo inesperado?

E isso não só arranha a imagem que tínhamos criado a respeito da doutora Louise, como também deturpa a lógica daquilo que deveria ser a base do roteiro.

Ao longo de sua carreira, Villeneuve demonstrou-se hábil na gestão dos thrillers psicológicos como em "Os Suspeitos" (2013), "O Homem Duplicado" (2013) e "Sicario: Terra de Ninguém" (2015), sobretudo no que diz respeito à criação do suspense, no crescendo da tensão. Apesar de ter um primeiro contato com os alien que faz jus ao talento ansiogênico do canadense, o filme carece de momentos inquietos, sendo que o mais importante de todos, o que ocorre no final (ao longo de uma ligação com um general chinês, pronto a atacar um dos óvnis), não há razão de ser, pois, a própria visão do futuro, tida por Louise, nos revela o desfecho positivo que irá acontecer de qualquer forma, sendo, portanto, inviável tanto a possibilidade de um futuro alternativo, quanto a de um sentimento de ânsia lógica por parte do espectador.

Reformulando de forma mais simples: se Louise tem uma visão sobre um já decidido futuro ameno e pacífico em que o general está lhe repetindo, palavra por palavra, o que ela mesma disse para convencê-lo a retirar a ofensiva, não há razão de ficarmos apreensivos por um epilogo já contado.

Como se os furos de trama não fossem suficientes, Villeneuve responde a perguntas que deveriam permanecer abertas, como, por exemplo, a questão da liberdade de escolha.

Ao optar por ter uma filha sabendo previamente que esta irá morrer por via de um câncer, Louise demonstra força e coragem suficientes para suportar a dor de uma perda prematura. Porém, num nível superior de abstração, percebemos que esta escolha não existe, uma vez que a visão de um futuro imutável mata a possibilidade de qualquer evento alternativo.

Também, diga-se de passagem, a escolha da protagonista é de uma moralidade questionável: qual o direito que uma mãe tem de considerar o amor como sendo justificativa suficiente para gerar uma vida que sofrerá mais que um adulto comum, antes mesmo de superar a puberdade?

Enfim, "A Chegada" (2016) parte de um contexto atual, pouco explorado no passado, talvez por "Contato" (1997) de Robert Zemeckis, mas que logo é posto de lado para tratar dos sentimentos de uma única personagem e de seu estóico amor pela filha.

Denis Villeneuve cria uma ficção científica como mero pretexto para tratar de outros assuntos: os problemas comunicativos enfrentados durante uma invasão alienígena servem exclusivamente para demonstrar que o amor vence tudo, inclusive a dor da perda do mesmo.

Um bom Sci-Fi surge a partir de um movimento contrário, quando se põe o elemento futurístico como sedutor e perigoso artefato da mente humana. Haja exemplo de "Ela" (2013) de Spike Jonze, em que a solidão do protagonista o leva a procurar a companhia de uma inteligência artificial, relacionando-se assim com uma máquina.

Mas afinal, não cabe ao público decidir como prefere que este gênero secular seja abordado?

Esta pergunta há de permanecer em aberto.

                                                                                              Dino Lucas Castro Galeazzi

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