Melhores Filmes de 2016

02/01/2017

Antes de regurgitar os quatro títulos que compõem este minúsculo elenco dos melhores filmes de 2016, necessito gastar algumas linhas para falar dos critérios que me levaram a esta escolha.

Primeiro: o ano de 2016.

Pois bem, os filmes que irei mencionar aqui estrearam em 2016. Ou seja, me baseei na data de lançamento mundial dos filmes, e não nos títulos que chegaram às telonas do Brasil nesse ano. Portanto, não, não há de se surpreender se não cito "Os Oito Odiados" de Quentin Tarantino ou "A Bruxa" de Robert Eggers, porque são filmes de 2015.

Segundo: as limitações.

Infelizmente, não há como assistir a todos os filmes de 2016. Se alguns longas-metragens não chegaram às telonas brasileiras, outros nem sequer chegaram à web. E, sobretudo, nem todas as pérolas que estão rodando, ou que rodaram, pelos circuitos de cinema alternativo, digitais ou analógicos que sejam, puderam ser vistas, revistas, analisadas por mim. Ao longo do ano de 2016, assisti a poucos filmes, e menos de quarenta destes eram produções de 2016.

Terceiro: a objetividade.

Este critério deveria explicar-se por conta própria, só que assim não é, então vale a pena reforçar o conceito. Trago aqui o meu olhar a respeito de algumas das obras de 2016, e não o meu gosto pessoal, nem mesmo a minha imparcialidade. Pela web, em especial no YouTube, há um zilhão de listas dos filmes favoritos de fulano de tal, Top Five, Top Ten, Top Número Redondo, em que o limiar entre objetividade aparente e subjetividade ostentada é inexistente.

Portanto, aqui não haverá um "Sully - O Herói do Rio Hudson" em décimo lugar por via dos discursos politicamente corretos do protagonista, assim como a terceira colocação não será ocupada pelo sentimentalismo enfadonho de "A Chegada".

Para mim, os melhores filmes do ano de 2016 têm algo em comum, que é a tentativa de expandir a linguagem cinematográfica: cada um deles, apesar de seus ecos e dívidas para com o passado do cinema, possui uma forma toda particular de narrar sua história, e é nisto que residem essência e beleza da obra.


#4 OS OLHOS DA MINHA MÃE (The Eyes of My Mother, 2016) dir. Nicolas Pesce

Nota: ★ ★ ★ ★

Sinopse: Francisca transcorre sua infância na bucólica fazenda do pai, cercada pela natureza e afastada da sociedade. Sua mãe, que trabalhara como cirurgiã em Portugal, alterna histórias de santos a ensinamentos de anatomia. Tudo vai bem até o dia em que a violência irrompe na vida de Francisca, despertando seu lado mais assustador e sombrio.

Comentário: A estréia de Nicolas Pesce na direção foi, sem dúvida alguma, uma das maiores surpresas de 2016. Assistir ao seu filme significa lançar um olhar atento e assustado ao que acontece por trás da temível porta de metal do filme "O Massacre da Serra Elétrica" (1974), descobrir os traumas que levaram o pequeno Jedidiah Sawyer a vestir sua famosa máscara de pele humana, tornando-se assim Leatherface.Todavia, isso não quer dizer que Nicolas Pesce pôs em cena um mero relato sangrento da vida de uma psicopata. Como o próprio diretor afirma, e como o magnífico branco e preto do filme confirma, "Os Olhos da Minha Mãe" é quase uma versão alternativa de "O mensageiro do Diabo" (1955), com o reverendo Henry Powell tomando conta da situação, sem a presença salvífica da anciã Rachel Cooper. Sem focar nos banhos de sangue, Nicolas Pesce sonda a mente de uma assassina, nos mostrando quão próximos estamos do abismo da loucura.


#3 CREEPY (Kurîpî, 2016) dir. Kiyoshi Kurosawa

Nota: ★ ★ ★ ★

Sinopse: O ex-detetive Takakura é chamado pelo seu ex-colega Nogami para resolver um caso que ocorreu seis anos atrás, em que toda uma família sumiu, com exceção da filha mais jovem, Saki. Movido pelo tédio da vida acadêmica e pela vontade de recompensar um erro do passado, Takakura aceita o desafio, chegando a pôr de lado sua esposa Yasuko e a recente mudança de casa. Tudo segue normal para o ex-detetive, até o momento em que coisas estranhas começam a acontecer em seu novo bairro.

Comentário: O que faz de "Creepy" um dos melhores filmes de 2016 não é tanto sua história, quanto a forma em que esta nos é contada. Kiyoshi Kurosawa dirige um excelente thriller, com direito aos seus típicos deslizes no onírico e no terror que o tornaram famoso graças a filmes como "A Cura" (1997) e "Kairo" (2001). Através de elipses narrativas, diálogos sussurrados e enquadramentos inusitados, o diretor de Kobe apropria-se do noir de Yutaka Maekawa, transformando-o num mistério surreal que transcende a jornada vivida pelo detetive. De fato, "Creepy" não se limita à resolução de um caso, chegando a nos mostrar as mazelas do típico núcleo familiar japonês.


#2 A CRIADA (Ah-ga-ssi, 2016) dir. Park Chan-wook

Nota: ★ ★ ★ ★ ½

Sinopse: Numa Coreia do Sul assolada pela ocupação japonesa da década de 1930, conhecemos Sookee, jovem criada contratada para trabalhar por Hideko, uma belíssima herdeira que sempre se viu isolada do mundo por conta do tio Kouzuki, mecenas autoritário e perverso. Mas nada é o que parece ser. Sookee guarda um segredo, da mesma forma que vários outros personagens ao seu redor. Numa trama repleta de reviravoltas, cabe ao público se perguntar quem, afinal de contas, está enganando quem.

Comentário: Difícil tratar da imensidade de "A Criada" em poucas linhas. Ecos da arte de Mikio Naruse se mesclam às obvias homenagens ao mestre de Park Chan-wook, Alfred Hitchcock, numa narrativa múltipla que deve muito ao imortal "Rashomon" (1950) de Akira Kurosawa. Mas o que faz de "A Criada" uma obra de inestimável valor não é arcabouço cinéfilo do diretor, mas sim a linguagem inovadora por ele empregada: a noção da falácia do olhar humano, isto é, o entendimento de que a visão de seus personagens é deturpada pela vivência e pelas emoções que estes carregam consigo, está presente em cada enquadramento, em cada seqüencia, sendo necessário ao publico incorporar a visão de todos protagonistas envolvidos, para assim compreender todas as nuances da trama. Numa única película, o diretor da trilogia da vingança junta seu perfeccionismo técnico extremo a uma narrativa fragmentada e complexa, em que o todo é maior do que a soma das partes.


#1 DEMÔNIO DE NEON (The Neon Demon, 2016) dir. Nicolas Winding Refn

Nota: ★ ★ ★ ★ ½

Sinopse: A modelo Jesse chega à cidade de Los Angeles para tentar a sorte no mundo da moda profissional. Logo, graças a sua beleza extraordinária, ela chama a atenção dos profissionais da área, como também desperta a inveja das demais colegas de trabalho, mergulhando, assim, no lado sombrio da cidade dos anjos.

Comentário: "Demônio de Neon" é muito mais do que uma simples revisitação das fabulas dos irmãos Grimm, indo, portanto, além da jornada infernal vivida pela protagonista, e além de sua história sobre beleza, perdição, punição. Assim como as películas de Bruno Forzani e Hélène Cattet serviram para resgatar e remodelar o gênero giallo, a última fadiga de Nicolas Winding Refn representa um retorno pós-moderno ao gótico italiano, àquelas histórias assustadoras de criança, filmadas para os adultos, criadas pelo gênio de Mario Bava. O branco e preto que exaltava o macabro fora substituído pelo jogo de luzes de neon típico de Los Angeles, cidade maldita que tanto encantou o diretor dinamarquês. Vaiado em Cannes, repudiado pela maior parte dos críticos, odiado pela quase totalidade dos cinéfilos, "Demônio de Neon" é acusado de ser superficial e vazio, como a moral que supostamente condena. Foram julgados negativamente o roteiro e a mise-en-scène, elementos que Refn não pôs de lado, mas que desconstruiu. O melhor filme de 2016 não é inovador pelo que diz, mas pela forma como o diz. E, diga-se de passagem, "Dêmonio de Neon" o diz de forma perfeita.


                                                                                                                       Dino Lucas Galeazzi

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